Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
2 comentários:
A trova do tempo que passa. Um poema cantado por Adriano Correia de Oliveira, com musica de António Portugal. Como no tempo em que foi escrito, a desgraça continua, os rios correm tristes e já não levam sonhos porque á muito que naufragaram. Correm sim cheios de poluição, doentes. Os verdes ramos floridos, já não vão direitos ao céu, estão secos, partidos caêm ao chão. Pátria? O que significa pátria? Manuel Alegre foi e é um pilar do 25 de Abril que almejava a liberdade. Mas tenho a certeza, que não foi este tipo de liberdade que idealizou. Uma liberdade forjada em interesses próprios, em que o que conta sou eu, os outros que se lixem. Não foi a liberdade onde cada um diz e faz o que quer, sem que seja responsabilizado pelas suas acções. Enquanto assim fôr, não temos liberdade, não temos nada. Sinceramente não sei o que é liberdade, a verdadeira liberdade. Mas enquanto "Mesmo na noite mais triste. Em tempo de servidão. Há sempre alguém que resiste. Há sempre alguém que diz não." Porque não só as noites, também os dias são tristes. Os tempos continuam de servidão. Mas Manuel Alegre resiste e continua a dizer não.
Filipe Fachadas
Não gosto do Manuel Alegre, mas tenho de admitir que o homem estava divinalmente inspirado quando escreveu a "Trova do vento que passa". É um poema muito bonito.
Mariana Gato
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