O texto que se segue é o afamado comentador/jornalista da nossa praça, Francisco Sarsfield Cabral, publicado no dia 17 de Março no Público.
Um conjunto de ideias fáceis, de corrente, com um discurso inconsequente...
Caros conterrâneos, o que pensam destas palavras?
«Toda a gente critica a desertificação do interior do país, pressupondo que a tendência poderá ser invertida. Mas poderá mesmo? O Governo é acusado de agravar o problema encerrando no interior escolas, maternidades, tribunais (no novo mapa judiciário) e outros serviços públicos. Responde o Governo não fazer sentido manter escolas com menos de dez alunos, serviços de saúde sem um mínimo de movimento que os torne eficazes, tribunais quase sem processos (enquanto outros estão entupidos com montanhas deles), etc. É um ciclo vicioso: as pessoas fogem do interior porque não encontram lá oportunidades de emprego nem uma oferta razoável de serviços públicos (educação, saúde, justiça, etc.). E o Estado e as empresas evitam o interior porque vive lá pouca gente. Até que ponto é possível quebrar esse ciclo vicioso, através de políticas voluntaristas de promoção do desenvolvimento do interior? E quanto custariam elas? O problema não é só nosso. É universal a tendência moderna para as populações irem viver nas cidades. Mais de metade da população mundial já habita em áreas urbanas. No passado pré-industrial não era assim. A ideia de melhorar de nível económico e social era então uma utopia para a esmagadora maioria das pessoas, que ficavam agarradas ao campo, o seu ganha-pão. Com a industrialização tudo mudou. O desenvolvimento económico levou à concentração de pessoas, empresas e serviços públicos nas zonas urbanas. É aí que os investidores encontram mão-de-obra, bancos para os financiarem, serviços do Estado para lhes darem as necessárias licenças, meios de transporte para receberem fornecimentos e expedirem mercadorias, etc. Em Portugal a industrialização começou tarde, depois da Segunda Guerra Mundial. Por isso a saída das pessoas dos campos para as cidades só ganhou escala significativa há meio século. Mas de então para cá acelerou rapidamente. A mobilidade das populações foi intensificada pela cada vez maior abertura das economias ao intercâmbio internacional. A entrada da economia portuguesa na integração europeia (na EFTA, em 1960) aumentou a concorrência sentida por muitas empresas nacionais, mais um factor a incentivar a concentração geográfica de meios. Assim, o desequilíbrio entre um interior pobre, sem indústria, e uma faixa litoral mais desenvolvida não poderia senão aumentar, como aumentou. O fim do "Portugal essencialmente agrícola" também significou a morte previsível (mas raramente prevista) das aldeias. É, com certeza, uma tragédia pessoal para os poucos, geralmente velhos, que ainda lá estão. Vêem desabar o seu mundo com a partida dos mais novos, que procuram formação e emprego onde eles existem (ou parecem existir). Contra esta tendência, tenta-se atrair investimentos privados para o interior com benefícios fiscais. Os resultados são quase nulos. E, na falta de actividades económicas, as estradas que se constroem para quebrar o isolamento do interior servem sobretudo para as pessoas, uma vez instaladas no litoral, irem ao campo, onde muitas possuem segundas residências, nos fins-de- semana ou em férias. O máximo que, com um custo comportável, é possível fazer para travar a desertificação do interior está no desenvolvimento de algumas cidades médias. Cidades como Évora ou Vila Real, que beneficiam de terem universidades - mas não se pode colocar uma universidade em cada centro urbano. A sempre adiada descentralização de serviços (coisa diferente da regionalização) para esses núcleos urbanos médios ajudará, naturalmente, se vier a concretizar-se. Quando a qualidade de vida decai nos grandes aglomerados do litoral (por causa dos engarrafamentos de trânsito, nomeadamente), o progresso das telecomunicações atrai gente para uma vida mais calma em cidades do interior. Mas não haja ilusões: os grandes centros urbanos continuarão a oferecer bens que o interior, mesmo em cidades de média dimensão, não consegue disponibilizar. A nível pessoal e profissional. Há que ser realista, pois. E o pior dos irrealismos é pensar que uma reorganização político-administrativa como a regionalização, feita a partir de cima e sem correspondência em forças vivas locais, seria capaz de inverter a desertificação do interior. A realidade não se esgota no mundo político-partidário que gostaria de inventar mais empregos com mais burocracia.»
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