terça-feira, 1 de abril de 2008

Gente da minha Terra!

É com todo o prazer que aceitei o convite feito pelo administrador deste Blog para contar algumas das minhas experiências nas viagens em missão de serviço que realizei pelo mundo fora (quase pelos “4 cantos do Mundo” como ele diz). Considero que a ideia poderá vir a ter algum interesse na medida em que por alguns destes sítios também passaram outras pessoas da Aldeia, e que certamente os levará ao baú onde guardam as suas memórias!
Por ter sido onde iniciei as viagens, falar-vos-ei de Timor-Leste. Nesta Ilha, a cerca de 22 000 km de distância, que eu tenha conhecimento, e peço desculpa se me esquecer de alguém, também estiveram o José Feijão e o Sobrino a cumprir o serviço militar, e para eles: “Diak ah lay”.
Na minha narrativa tentarei explicar as circunstâncias e os motivos que levaram ao empenhamento da GNR nas duas vezes que foi solicitada a nossa colaboração!
É sob uma perspectiva pessoal que vos irei falar, não entrando em pormenores históricos porque pela Internet consegue-se obter toda essa informação!
Em 30 de Agosto de 1999 é realizado um referendo em Timor-Leste, com a esmagadora maioria da população a votar pela independência do território. Tal não foi bem aceite pela Indonésia, país que tinha invadido Timor em 1975. Os militares Indonésios e a “facção” Pro-Indonésia criam grupos de rebeldes, as Milícias, que levam o terror às ruas de Dili – Capital de Timor - bem como ao resto da Ilha.
Estando as Nações Unidas e toda a opinião Pública de olhos postos em Timor, foi decidido, por unanimidade, intervir em Timor-Leste e sanar de uma vez por todas o conflito ali existente.
Portugal compromete-se com a ONU em enviar, para além dos militares, uma companhia de Ordem Pública com caris militar para, em conjunto com outras forças internacionais, trazer a paz e tranquilidade pública àquele povo!
Em 10 de Março de 2000 parto para Timor-Leste. Encontrando um manto de destruição e tristeza, aos poucos e com muitas horas de patrulhamento, fomos implementando o respeito e a confiança na nossa força, levando a que após o segundo mês da nossa permanência naquele território, Dili deixasse de ser a cidade fantasma que encontrámos à chegada, voltando a haver comércio, escola e tranquilidade pública!
Após ter sido formalmente proclamada a independência de Timor-Leste, 30 de Maio de 2002, os “Guns and Roses” (GNR) como fomos e somos apelidados pelos Timorenses e pela comunidade estrangeira ali presente, por decisão da ONU, termina a sua missão, deixando o quartel por nós construído á UIR – Unidade de Intervenção Rápida – de Timor-Leste, força constituída por policias Timorenses para nos substituir.
Retirámos com a firme convicção e sentimento do dever e missão cumprida, pois, a liberdade, a tranquilidade e a segurança daquela ilha paradisíaca estavam garantidas!
Aparentemente o País tinha “pernas para andar” com o seu governo, polícia e restante estrutura.
Qual não é o espanto de toda a Comunidade Internacional, onde me englobo, quando em inícios de 2006 se volta a ouvir falar de instabilidade politica e social em Timor-Leste. O processo anteriormente desenvolvido estava comprometido, estava a ir água abaixo!
Em Março começa a haver alguns confrontos e no início de Maio são mortos cerca de duas dezenas de Policias da UIR pelos militares da FDTL. Assim, enquanto os militares e os policias se matam, reina novamente a anarquia em Timor-Leste, com novas destruições, saqueamentos, etc. Desta vez, mais grave do que na primeira, os timorenses estavam divididos! Alguém lhes incutiu a ideia que tinha de haver separação entre os Loro Mundo, nascidos na parte Ocidental da Ilha, e os Loro Sae nascidos na parte Leste da mesma, chegando ao cúmulo de apenas uma rua separar moradores de ambas as partes, ou seja vizinhos de uma vida, que subitamente se agridem e queimam as casas mutuamente.
Os Loro Sae, em minoria, refugiam-se em “campos de deslocados”, assim designados pelas Organizações Internacionais.
Através de um acordo Bilateral, numa primeira fase, e pela égide da ONU, depois, a GNR recebe a ordem de enviar novo contingente para o território tendo, de forma nunca antes vista, aproximadamente oito dias para o preparar e colocar em Timor-Leste!
Em 02 de Junho de 2006 às 23H50 estava, novamente, a embarcar para Timor-Leste, ao qual chegámos dia 04, às 07 da manhã.
Foi inédito o que vivi à chegada a Baukau, 2ª maior cidade de Timor, talvez a experiência profissional mais marcante na minha curta carreira e até aos dias de hoje. Esperavam-nos centenas de pessoas. Ao longo da estrada, durante as cinco horas de viagem até Dili, em todas as localidades, estava o povo na berma com bandeiras de Portugal. Isto era mais do que uma demonstração de carinho, era como se nos tivessem a dizer que o seu futuro, a sua esperança, mais uma vez, estava nas nossas mãos!
Estes gestos para o comum dos mortais pode não significar muito ou mesmo nada, mas para um militar... que se orgulhe e goste de o ser, é tudo!
Já em Dili, eis que volto a encontrar, seis anos depois, a cidade fantasma e destruída do passado.
Era o começar tudo de novo, embora com um grau de dificuldade acrescido. O ódio estava instalado num povo dividido, do género: se queimaste a minha casa, queimar-te-ei a tua, se me mataste um familiar...
Todos nós sabemos o que é o sentimento de vingança e revolta! Não foi e não está a ser nada fácil sarar essas feridas!
Neste tipo de trabalho tem de haver cuidados acrescidos na preparação e mentalização dos intervenientes, os militares, prepara-los psíquica e fisicamente para as dificuldades do “teatro” onde vamos Operar. Neste caso em especifico até de Bombeiros tivemos de fazer, pois estes, a partir do pôr-do-sol, não respondiam a mais chamadas, tinham receio de sair à rua, ou os escoltávamos do quartel ao incêndio ou então nada feito. Ao início eram dezenas de casas a arder, então optámos, na maioria dos casos, em deitar mãos à obra, afim de minimizar os estragos!
Nesta missão, devido à sua complexidade, em 25 de Novembro de 2006 regresso a Portugal com o sentimento que todo o esforço por nós dispendido não foi o suficiente para estabilizar e sanar o conflito ali subjacente. O clima ficou tenso, e pelos últimos acontecimentos constatei e comprovei isso mesmo. Onde existe o sentimento de vingança, aparentemente está tudo bem mas na primeira oportunidade... só as gerações futuras, apostando na educação e formação, poderão ultrapassar e sarar estas feridas!
Pelo seu olhar de sofrimento, pelo seu sorriso, pela sua generosidade, por verem em nós aquilo que um dia gostariam de ser, é por elas, crianças, que isto tudo tem muito significado para nós...
Pedindo desculpa à Dª. Mariete, minha professora na primária, caso haja algumas imprecisões ao nível da escrita e prometendo vir a falar de outros locais por onde passei, despeço-me de vós com a firme esperança de estar a contribuir para que o Blog da nossa Terra sirva também para trocar experiências vividas por todos aqueles que, por circunstâncias da vida, vivem afastados, presencialmente, da nossa terra!
Viva a nossa Aldeia e viva aqueles que por ela “lutam”!



Francisco Cascalhais "Bituco", o autor do texto


Cristo Rei

O Francisco num campo de deslocados

A guerra fratricida entre os timorenses provoca a destruição...

O resultado da destruição...

Os timorenses alegres com a passagem dos militares da GNR

Um povo irmão...

O paraíso...

Quartel da Rapid Response Unit - GNR

As crianças e os militares...

Os Lobos

10 comentários:

kika disse...

É com muito orgulho que vejo esta publicação!
Já tenho muitas saudades tuas...
Amo-te!

Antónia Fachadas disse...

Amigo Francisquinho, folgo em saber que estás bem.
Tomei a liberdade de te tratar pelo teu diminutivo, tal qual nós te chamávamos na escola – e ainda alguns te chamam, nomeadamente pais e tia Maria Luzia (pessoa adorável) - porque sei que, estando longe da tua família e do nosso país, precisas de ouvir coisas boas.
Chamando-te desta maneira, corres o risco dos teus colegas verem e gozarem um pouco contigo, mas deixa-me dizer que outra coisa não mereces tu… Brincadeirinha!!
Quero também dizer-te que sentimos falta de ti na Páscoa, ainda que fosse para nos massacrares ou tão só para estarmos todos juntos, coisa que hoje em dia acontece muito raramente.
Relativamente à tua “narrativa”, adorei.
Infelizmente todos os dias os nossos noticiários nos vão dando a conhecer os problemas globais, dos quais acabamos - devido também à nossa vida agitada - por nos abstrair e ficar até imunes.
Desta forma, a tua experiência, que eu li com a maior atenção - talvez por ser tua, um amigo pelo qual tenho verdadeiro carinho – veio ajudar-me a perceber o grave problema de Timor. Confesso que fiquei comovida com o relato que nos fizeste.
Gostaria de aproveitar para te desejar a ti e a todos os colegas que se encontram contigo, muita sorte e que voltem rápido. Desejo ainda que no final desta missão tragam convosco o sentimento de “dever cumprido”.
Beijinhos!

Anónimo disse...

olá!
Muito interessante o que acabei de ler, e gostei muito!
Para ti Bituco Boa sorte e tudo a correr pelo melhor!!!
Beijinho!
Vina Monteiro

José Fachadas disse...

Amigo Francisco, embora nunca tenha participado em nenhuma missão compreendo perfeitamente as tuas palavras, fico bastante comovido com as palavras aplicadas no texto mas ao mesmo tempo contente por saber que te encontras bem, e que tambem participas de forma activa para que o blog da nossa Terra cada ve z esteja mais rico. Espero que termines a missão da melhor forma, sem acidentes para ti e para os restantes colegas.
Recebe um grande abraço deste amigo e colega que se encontra neste momento em Évora.
Áh temos de convencer o Gato a arrancar com um Site daquela terra pequena (SANTO AMADOR)mas que ocupa um espaço muito grande nos nossos corações.

Anónimo disse...

Olá Francisco!
A falta de tempo para outras actividades que não sejam a Junta de Freguesia e a familia, por vezes, impede-me de ter um olhar mais abrangente sobre os assuntos da actualidade.
No entanto SANTO AMADOR é para mim
motivo de atenção diária, por isso, de quando em vez também eu acedo ao blog.
Hoje vi as fotos e li o teu artigo, com alguma emoção confesso.Acredito que as missões que escolheste como forma de vida, fazem de ti um Santoamadorense muito especial.
Espero que mais esta estada longe de casa contribua para ajudares à paz mundial e para o teu crescimento pessoal.
Helena Romana

Lena disse...

Também eu me emocionei ao ler o teu relato sobre Timor; também eu relembrei os momentos em que ainda durante o jugo da Indonésia, lutei (á medida da minha pequena dimensão) deste outro lado do mundo: vesti-me toda de branco, pendurei panos pretos nas janelas, fiz minutos de silêncio e as minhas mãos foram das muitas que compuseram o cordão humano em volta da Embaixada dos EUA.
Sabe bem "ouvir" de quem também vê com o coração, e certamente o teu coração é do tamanho dos sentimentos que trancreves, grandiosos.
Desejo-te toda a sorte nesta outra missão, nessa Bósnia também tão longe deste nosso paraíso á beira mar plantado.
Só uma última coisinha: de certeza que a D. Mariete, ao ler a tua mensagem, só poderá sentir orgulho de ter contribuído para a tua educação académica e formação como ser humano ... de certeza que também ela sente, que pelo menos contigo, o dever dela foi cumprido.

Um abraço
Helena Amante Fachadas

Anónimo disse...

Olá Francisco gostámos muito de ler as tuas palavras e de ver as tuas fotos. Achamos que todos nós temos uma missão na vida a tua é promover a paz, ficamos contente por ti. Deixamos um grande abraço de conforto e para que quando leres estes comentários te sintas mais proximos da tua terra.
Fatinha e Quim

Anónimo disse...

Ola Francisco gostei muito das fotos e nos santamadorenses so podemos estar orgulhosos de ti es uma pessoa com muita coragem,e eu estando longe da nossa terra e da familia sinto na pele um pouco o que estas a passar apesar de o teu caso ser diferente.Desejo-te boa sorte e aos teus colegas tambem. Ana maria Baiao Lausanne Suisse

Anónimo disse...

olá francisco( ou Bituco)
Só agora é que tive oportunidade de ler o texto que escrevestes, e posso dizer que gostei muito.
Espero que tudo te corra bem, até ao regresso a casa.

Célia Almeida

Anabela Seita disse...

Olá primo
Gostei muito do teu relato sobre essa experiência vivida em Timor, como alguém já comentou a nossa vida faz-nos passar um pouco ao lado de algumas realidades...Posso dizer-te que já vivi algumas, mal comparado, uma delas em Marrocos numa missão humanitária pelo deserto, e só quem passa por elas é que sabe dar o valor...o olhar daquelas crianças... deixarei aqui o meu testemunho muito em breve.
Um grande beijinho, e votos que regresses bem dessa tão importante missão.