A noite ainda estava escura, quando se começaram a ouvir os primeiros sons da cozinha, era a minha mãe que estava a colocar a escolateira ao lume. Ouviam-se uns passos cada vez mais próximos do quarto, eu já sabia o que ia acontecer e colocava os pés no chão, ficando ainda sentado na cama. Mal a minha mãe abria a cortina, começava a espreguiçar-me, e ouvia-a falar devagar para não acordar os meus irmãos mais novos:
- Vá lá, levanta-te! O teu pai foi à cabana a preparar a burrinha e sabes que ele não gosta de esperar! – Ao terminar a frase deixava sempre um pequeno lampião, na mala velha da roupa que estava junto à porta, por detrás duma moldura onde estava uma fotografia do meu avô paterno.
Vesti-me rapidamente e calcei as botas, peguei no lampião e fui directo à cozinha. Numa caneca coloquei um pouco de leite e um pouco de café, numa côdea de pão besuntei um pouco do pingo do entregosto que a minha mãe tinha fritado na noite anterior, e quando ia a meio do pequeno-almoço, comecei a ouvir o meu pai a resmungar. Não o percebi, mas sabia qual era a mensagem, o aviso final da partida para o Morgado.
Bebi tudo depressa, meti à boca aquilo que podia, e dei um beijo na minha mãe. Peguei na alcofa com o almoço do meu pai e o meu e fui juntar-me ao meu pai. Mal cheguei levei um sopapo do meu pai que começara a resmungar por o ter feito esperar. Abri o portão velho e ele ao sair do quintal, montou-se na Boneca e começou logo a andar. Tive de me despachar a fechar o portão ainda aberto, o que muitas vezes era difícil por estar todo derrengado.
Os primeiros cem metros foram sempre a correr para o apanhar, já que o meu pai não era homem para esperar por ninguém. Ainda na aldeia começaram a ver-se outras pessoas, uns a pé, outros com os seus burrinhos e alguns com as pedaleiras.
Passo a passo, sem perder a burra da vista, lá fui pelo caminho lamacento. As botas que o meu pai me tinha comprado para ir fazer o exame da quarta classe a Moura, começavam a descoser-se. Já estavam um pouco apertadas e por mais que tentasse desviar-me das poças de água, ia sempre pisando alguma que, com a pouca luz da noite, me enganava.
Ao passar pelo Monte Novo, os cães vieram direitos a nós, mas eu já estava prevenido: anteriormente tinha apanhado umas pedras e estabelecia uma distância de segurança, se os cães não a cumprissem, teria logo de disparar.
Não tinha muita pontaria, mas, há uns tempos atrás, neste mesmo local, ao ver que uma cadela pêlo-de-arame não parava a sua investida, mandei-lhe uma pedra que lhe acertou na cabeça e o deixou imóvel. Não me quero recordar dos remorsos com que estive nesse dia, pois tinha morto o pobre do animal. Ela apenas estava a proteger os bens do seu dono e não sabia distinguir entre uma pessoa que fosse roubar ou uma simples pessoa de passagem. Mas ao final do dia, ao voltar do trabalho, voltei a vê-la. Foi a primeira vez que fiquei contente com a presença dela e senti um enorme alívio por não a ter morto. Agora ela sentia que me tinha ganho uma zanga particular, pois era a primeira e mais aguerrida, a ladrar, era também aquela que fazia os outros parar e não ultrapassar o limite de segurança.
Ao chegar à Passagem dos Coelhos, à Ribeira da Toutalga, a água não me deixava passar pelas passadeiras, e tive logo de tirar as botas e as meias. A Boneca, com medo da água, não queria passar e, como todos os dias, tive de pegar as rédeas para lhe dar confiança e, com algumas varadas, lá começou a caminhar. Ao chegar, ao outro lado, voltou o meu pai a continuar o caminho sem esperar, e, enquanto eu vestia as meias e calçava as botas, voltei a deixar de o avistar. Com uma corridinha (que até me aquecia os pés) lá fiquei eu junto dele.
No caminho, poucas vezes o ouvi falar, ouvia-o era resmungar, e, neste local, saíam sempre alguns sons da sua boca, que, embora imperceptíveis, eram claramente um aviso por ter demorado muito, embora eu não o tivesse feito esperar.
Comecei a ouvir os chocalhos dos carneiros que o Tio João Banha trazia. Este homem era um autêntico artista, escrevia poesia, embora já em adulto tivesse aprendido a escrever, cantava o fado de uma forma sublime e tocava concertina. A sua memória fazia inveja, contava coisas de outros tempos e raramente havia alguém que o corrigisse. Eu, nas poucas vezes que o ouvia contar essas histórias, já que ele ia poucas vezes à aldeia, ficava na parte de fora da sociedade, e desconfiava se ele não utilizava um pouco da sua imaginação. Mas sempre se podia perdoar, ao meter uma mentira no meio de tantas coisas verídicas.
Sempre gostei da imagem dos pastores, já que eram pessoas livres, sem pressas, com tempo para ver tudo. Tinham sempre o apoio de dois cães, muitos inteligentes, que, ao sair uma ovelha ou carneiro do caminho destinado, e dada a ordem para as ir virar, não estava terminada a frase já eles iam a correr, sabendo sempre qual a que estava a errar o percurso. Tinham tempo para se sentar à sombra das azinheiras e ouvir as cotovias. Não era um trabalho fácil, no tempo da ordenha, trabalhavam muito. Mas era um trabalho em que se sentia a liberdade.
Pouco mais à frente, chegávamos aos Montes Juntos, local onde o feitor vinha a ter para nos dar o serviço. Da quadrilha em que andávamos, o meu pai e eu, éramos quase sempre os primeiros. Muitas vezes, os que moravam no monte ainda estavam dentro de casa.
Estando frio, estava à espera que alguém abrisse a porta e me convidasse a entrar para me aquecer um pouco. Mas mesmo que quisesse denunciar a minha presença, o meu pai não o deixou, e eu nem sequer lhe perguntei, já que a resposta era sempre negativa.
Mal comecei a ouvir uma porta a abrir, o meu coração começou a aquecer, iria sentir um pouco do calor da lenha aquecer o meu corpo.
O Manuel Baião apareceu fora da porta e disse ao meu pai:
- Bom dia, Joaquim. Nem sequer deste sinal que já cá estavas. Podias ter entrado e estar um pouco ao lume. O rapaz se calhar está com frio!
O meu pai respondeu-lhe:
- Ele não é rapaz de frio!
O Manel Baião, replicou:
- Manda lá o rapaz lá para dentro!
Agora olhando para mim, disse-me:
- Estão lá as minhas Marianitas, mas olha para a mais nova. Porque para a mais velha quem olha sou eu. Ao chegar a porta, senti o calor do lume e os meus olhos começaram a adaptar-se à luz que iluminava a cozinha. Havia uma mesa onde estavam sentadas uma mulher de cerca de quarenta anos e uma rapariga dos seus treze anos, as tais Marianitas do Manel Baião.
Educadamente, disse:
-Bom dia, Sra. Mariana.
Os olhos de ambas voltaram-se para a porta e a Sra. Mariana respondeu-me:
- Bom dia, Zé.
Ao terminar a frase, voltou a baixar a cabeça e continuou a comer. A rapariga, continuou a olhar para mim, com um olhar profundo. Os seus cabelos loiros, apanhados atrás, possivelmente com uma fita, deixaram-me pasmado. A sua beleza era quase escultural, não se conseguia detectar a mais simples imperfeição na sua face. Nesse momento, não sei se durou segundos ou minutos, apenas senti o meu coração começar a bater mais rápido e a cara aquecer cada vez mais. Chegou um momento em que (ainda hoje não sei explicar o motivo), baixei o olhar. Ao voltar a olhar já ela não estava a olhar para mim. O meu pai começou a chamar-me, quis gravar a sua imagem novamente, voltei a olhar para ela, e Mariana levantou a cabeça e sorriu.
Comecei a caminhar e uma alegria enorme ia dentro de mim, o coração parecia que ia sair-me fora do corpo. Ainda consegui ouvir a pergunta que fez a sua mãe, a perguntar quem eu era, mas a resposta já não a consegui ouvir, estava cada vez mais longe da porta.
O feitor tinha acabado de chegar e alguns homens já estavam fazendo uma roda, que era quase igual todos os dias, mas com alguma organização, já que os mais velhos estavam sempre ao lado do feitor, e os mais novatos mais afastados. Eu ainda não tinha lugar nessa roda, nem coragem para entrar... O olhar das pessoas já se tornava ameaçador estando eu lá fora, imagino se estivesse lá dentro.
Comecei a olhar para o horizonte, via timidamente os primeiros raios do sol a lutar com a noite escura. O meu pensamento voltou para a Mariana, para os seus olhos, para o seu sorriso…quando sou interrompido pelo meu pai:
- Não estás a ouvir? Vem já…
Os homens já caminhavam para a cabana dos bois, e eu juntei-me ao meu pai. O feitor tinha um candeeiro a petróleo e começavam a ver-se os bois alentejanos ainda presos mas manjedouras. Alguns ainda estavam a mastigar, como se adivinhassem que estava na hora de ganhar mais um pouco de energia, através de um pouco de feno, para a força brutal a fazer no campo.
Desatou-se a corda que os prendia pelos cornos às manjedouras e, segurando um a um, levaram-se para fora da cabana. O meu pai deu-me a corda de um e disse-me para estar sossegado que ia buscar o outro. O Manel Baião pegou na canga e colocou-a no pescoço do boi e este, ao ver o meu pai com o outro preso pela corda encaminhou-se para ele. O boi até parecia que sabia, ou sabia mesmo, qual era a sua missão. Baixou um pouco a cabeça e colocou-se a canga no seu pescoço. O primeiro já tinha as correias apertadas à canga e o meu pai acenou-me para ir ter com ele. Duas frases saíram-lhe da boca:
- Aprende! Amanhã vais ser tu a fazer.
Vi as voltas que o meu pai dava à correia e o nó que lhe dava. Tentava seguir todos os passos e não me esquecer de nenhum. Amanhã teria de ser eu a fazer e não queria errar.
O Manel Baião começou a sorrir e disse-me:
- Aqui tens o Perdigão e o Mascarado. Vão ser os teus amigos durante os próximos dias. Tens aqui uma varinha para quando eles começam a malandrar.
Eu assustei-me, pensava que os bois todos os dias eram diferentes e como podia diferenciar os bois, se eles eram todos iguais. Com as cordas ainda pelos cornos, peguei neles e fui de encontro às outras pessoas que tinham começado a fazer o caminho para a folha que ia ser lavrada. Ao chegar ao local, lá estavam cinco charruas. O meu pai parou os bois perto de uma delas e mandou-os recuar. Os animais, como soldados a cumprir ordens do seu general, recuaram e o meu pai começou a colocar os apetrechos que ligavam a canga à charrua.
O Domingos Pinto após colocar a sua charrua operacional, reparou na minha natural atrapalhação e começou a ajudar-me.
O meu pai já estava na vereda e, ao começar a andar, deu umas varadas nos bois. O rego parecia que estava a cortar a terra.
- Vá lá, levanta-te! O teu pai foi à cabana a preparar a burrinha e sabes que ele não gosta de esperar! – Ao terminar a frase deixava sempre um pequeno lampião, na mala velha da roupa que estava junto à porta, por detrás duma moldura onde estava uma fotografia do meu avô paterno.
Vesti-me rapidamente e calcei as botas, peguei no lampião e fui directo à cozinha. Numa caneca coloquei um pouco de leite e um pouco de café, numa côdea de pão besuntei um pouco do pingo do entregosto que a minha mãe tinha fritado na noite anterior, e quando ia a meio do pequeno-almoço, comecei a ouvir o meu pai a resmungar. Não o percebi, mas sabia qual era a mensagem, o aviso final da partida para o Morgado.
Bebi tudo depressa, meti à boca aquilo que podia, e dei um beijo na minha mãe. Peguei na alcofa com o almoço do meu pai e o meu e fui juntar-me ao meu pai. Mal cheguei levei um sopapo do meu pai que começara a resmungar por o ter feito esperar. Abri o portão velho e ele ao sair do quintal, montou-se na Boneca e começou logo a andar. Tive de me despachar a fechar o portão ainda aberto, o que muitas vezes era difícil por estar todo derrengado.
Os primeiros cem metros foram sempre a correr para o apanhar, já que o meu pai não era homem para esperar por ninguém. Ainda na aldeia começaram a ver-se outras pessoas, uns a pé, outros com os seus burrinhos e alguns com as pedaleiras.
Passo a passo, sem perder a burra da vista, lá fui pelo caminho lamacento. As botas que o meu pai me tinha comprado para ir fazer o exame da quarta classe a Moura, começavam a descoser-se. Já estavam um pouco apertadas e por mais que tentasse desviar-me das poças de água, ia sempre pisando alguma que, com a pouca luz da noite, me enganava.
Ao passar pelo Monte Novo, os cães vieram direitos a nós, mas eu já estava prevenido: anteriormente tinha apanhado umas pedras e estabelecia uma distância de segurança, se os cães não a cumprissem, teria logo de disparar.
Não tinha muita pontaria, mas, há uns tempos atrás, neste mesmo local, ao ver que uma cadela pêlo-de-arame não parava a sua investida, mandei-lhe uma pedra que lhe acertou na cabeça e o deixou imóvel. Não me quero recordar dos remorsos com que estive nesse dia, pois tinha morto o pobre do animal. Ela apenas estava a proteger os bens do seu dono e não sabia distinguir entre uma pessoa que fosse roubar ou uma simples pessoa de passagem. Mas ao final do dia, ao voltar do trabalho, voltei a vê-la. Foi a primeira vez que fiquei contente com a presença dela e senti um enorme alívio por não a ter morto. Agora ela sentia que me tinha ganho uma zanga particular, pois era a primeira e mais aguerrida, a ladrar, era também aquela que fazia os outros parar e não ultrapassar o limite de segurança.
Ao chegar à Passagem dos Coelhos, à Ribeira da Toutalga, a água não me deixava passar pelas passadeiras, e tive logo de tirar as botas e as meias. A Boneca, com medo da água, não queria passar e, como todos os dias, tive de pegar as rédeas para lhe dar confiança e, com algumas varadas, lá começou a caminhar. Ao chegar, ao outro lado, voltou o meu pai a continuar o caminho sem esperar, e, enquanto eu vestia as meias e calçava as botas, voltei a deixar de o avistar. Com uma corridinha (que até me aquecia os pés) lá fiquei eu junto dele.
No caminho, poucas vezes o ouvi falar, ouvia-o era resmungar, e, neste local, saíam sempre alguns sons da sua boca, que, embora imperceptíveis, eram claramente um aviso por ter demorado muito, embora eu não o tivesse feito esperar.
Comecei a ouvir os chocalhos dos carneiros que o Tio João Banha trazia. Este homem era um autêntico artista, escrevia poesia, embora já em adulto tivesse aprendido a escrever, cantava o fado de uma forma sublime e tocava concertina. A sua memória fazia inveja, contava coisas de outros tempos e raramente havia alguém que o corrigisse. Eu, nas poucas vezes que o ouvia contar essas histórias, já que ele ia poucas vezes à aldeia, ficava na parte de fora da sociedade, e desconfiava se ele não utilizava um pouco da sua imaginação. Mas sempre se podia perdoar, ao meter uma mentira no meio de tantas coisas verídicas.
Sempre gostei da imagem dos pastores, já que eram pessoas livres, sem pressas, com tempo para ver tudo. Tinham sempre o apoio de dois cães, muitos inteligentes, que, ao sair uma ovelha ou carneiro do caminho destinado, e dada a ordem para as ir virar, não estava terminada a frase já eles iam a correr, sabendo sempre qual a que estava a errar o percurso. Tinham tempo para se sentar à sombra das azinheiras e ouvir as cotovias. Não era um trabalho fácil, no tempo da ordenha, trabalhavam muito. Mas era um trabalho em que se sentia a liberdade.
Pouco mais à frente, chegávamos aos Montes Juntos, local onde o feitor vinha a ter para nos dar o serviço. Da quadrilha em que andávamos, o meu pai e eu, éramos quase sempre os primeiros. Muitas vezes, os que moravam no monte ainda estavam dentro de casa.
Estando frio, estava à espera que alguém abrisse a porta e me convidasse a entrar para me aquecer um pouco. Mas mesmo que quisesse denunciar a minha presença, o meu pai não o deixou, e eu nem sequer lhe perguntei, já que a resposta era sempre negativa.
Mal comecei a ouvir uma porta a abrir, o meu coração começou a aquecer, iria sentir um pouco do calor da lenha aquecer o meu corpo.
O Manuel Baião apareceu fora da porta e disse ao meu pai:
- Bom dia, Joaquim. Nem sequer deste sinal que já cá estavas. Podias ter entrado e estar um pouco ao lume. O rapaz se calhar está com frio!
O meu pai respondeu-lhe:
- Ele não é rapaz de frio!
O Manel Baião, replicou:
- Manda lá o rapaz lá para dentro!
Agora olhando para mim, disse-me:
- Estão lá as minhas Marianitas, mas olha para a mais nova. Porque para a mais velha quem olha sou eu. Ao chegar a porta, senti o calor do lume e os meus olhos começaram a adaptar-se à luz que iluminava a cozinha. Havia uma mesa onde estavam sentadas uma mulher de cerca de quarenta anos e uma rapariga dos seus treze anos, as tais Marianitas do Manel Baião.
Educadamente, disse:
-Bom dia, Sra. Mariana.
Os olhos de ambas voltaram-se para a porta e a Sra. Mariana respondeu-me:
- Bom dia, Zé.
Ao terminar a frase, voltou a baixar a cabeça e continuou a comer. A rapariga, continuou a olhar para mim, com um olhar profundo. Os seus cabelos loiros, apanhados atrás, possivelmente com uma fita, deixaram-me pasmado. A sua beleza era quase escultural, não se conseguia detectar a mais simples imperfeição na sua face. Nesse momento, não sei se durou segundos ou minutos, apenas senti o meu coração começar a bater mais rápido e a cara aquecer cada vez mais. Chegou um momento em que (ainda hoje não sei explicar o motivo), baixei o olhar. Ao voltar a olhar já ela não estava a olhar para mim. O meu pai começou a chamar-me, quis gravar a sua imagem novamente, voltei a olhar para ela, e Mariana levantou a cabeça e sorriu.
Comecei a caminhar e uma alegria enorme ia dentro de mim, o coração parecia que ia sair-me fora do corpo. Ainda consegui ouvir a pergunta que fez a sua mãe, a perguntar quem eu era, mas a resposta já não a consegui ouvir, estava cada vez mais longe da porta.
O feitor tinha acabado de chegar e alguns homens já estavam fazendo uma roda, que era quase igual todos os dias, mas com alguma organização, já que os mais velhos estavam sempre ao lado do feitor, e os mais novatos mais afastados. Eu ainda não tinha lugar nessa roda, nem coragem para entrar... O olhar das pessoas já se tornava ameaçador estando eu lá fora, imagino se estivesse lá dentro.
Comecei a olhar para o horizonte, via timidamente os primeiros raios do sol a lutar com a noite escura. O meu pensamento voltou para a Mariana, para os seus olhos, para o seu sorriso…quando sou interrompido pelo meu pai:
- Não estás a ouvir? Vem já…
Os homens já caminhavam para a cabana dos bois, e eu juntei-me ao meu pai. O feitor tinha um candeeiro a petróleo e começavam a ver-se os bois alentejanos ainda presos mas manjedouras. Alguns ainda estavam a mastigar, como se adivinhassem que estava na hora de ganhar mais um pouco de energia, através de um pouco de feno, para a força brutal a fazer no campo.
Desatou-se a corda que os prendia pelos cornos às manjedouras e, segurando um a um, levaram-se para fora da cabana. O meu pai deu-me a corda de um e disse-me para estar sossegado que ia buscar o outro. O Manel Baião pegou na canga e colocou-a no pescoço do boi e este, ao ver o meu pai com o outro preso pela corda encaminhou-se para ele. O boi até parecia que sabia, ou sabia mesmo, qual era a sua missão. Baixou um pouco a cabeça e colocou-se a canga no seu pescoço. O primeiro já tinha as correias apertadas à canga e o meu pai acenou-me para ir ter com ele. Duas frases saíram-lhe da boca:
- Aprende! Amanhã vais ser tu a fazer.
Vi as voltas que o meu pai dava à correia e o nó que lhe dava. Tentava seguir todos os passos e não me esquecer de nenhum. Amanhã teria de ser eu a fazer e não queria errar.
O Manel Baião começou a sorrir e disse-me:
- Aqui tens o Perdigão e o Mascarado. Vão ser os teus amigos durante os próximos dias. Tens aqui uma varinha para quando eles começam a malandrar.
Eu assustei-me, pensava que os bois todos os dias eram diferentes e como podia diferenciar os bois, se eles eram todos iguais. Com as cordas ainda pelos cornos, peguei neles e fui de encontro às outras pessoas que tinham começado a fazer o caminho para a folha que ia ser lavrada. Ao chegar ao local, lá estavam cinco charruas. O meu pai parou os bois perto de uma delas e mandou-os recuar. Os animais, como soldados a cumprir ordens do seu general, recuaram e o meu pai começou a colocar os apetrechos que ligavam a canga à charrua.
O Domingos Pinto após colocar a sua charrua operacional, reparou na minha natural atrapalhação e começou a ajudar-me.
O meu pai já estava na vereda e, ao começar a andar, deu umas varadas nos bois. O rego parecia que estava a cortar a terra.
(O relato irá continuar, se houver alguns comentários!)
7 comentários:
Confesso que só li mesmo por alto, pois não ando com muito tempo, mas um dia com mais tempo, mais calma irei lêr com a atenção que este teto merece :) gosto destas coisas do ' antigamente ' :)
* texto
Olá,
Gostei. Toi, tu só publicas ou também escreves?
Acho bem que se continue a publicar.
Só um reparo. o morador dos montes juntos era Manuel Baião ou Zé Baião? Ou havia dois?
Bons textos
João Ramos
O homem tinha dupla personalidade... Lol... Umas vezes era Manuel Baião ou Zé Baião... Lol... Obrigado pela chamada de atenção...
Muito bem escrito.
Os meus parabéns! Mais uma vez revisitei a minha Aldeia em pensamementos.Obrigado
António Lobo
Só agora li o seu texto, confesso que gostei, só que quando estava mesnmo entusiasmado acabou, mande lá o resto e os meus parabens.
Áh devia se identificar melhor porque lá n Aldeia não há só um Toi Gato. Um abraço Zé Fachadas ( Filho do Filipe).
Sr. Gato:
Deixo aqui um comentário na esperança de que a história continue....
Gostei muito de ler. Quem ler a história consegue facilmente sentir-se na pele daquele menino assustado com as coisas do crescer, com o surgir dos primeiros sentimentos e das primeiras angústias, e tranportar-se para o meio da água da ribeira no começo da alvorada, com o barulho dos cães ao longe.Achei que captaste bem a autenticidade da alma alentejana e a dureza da vida do campo e das relações de outrora.
Fico a fazer figas para a continuação da história.
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